Tenho acompanhado com apreensão as buscas pelo Luís Grilo. Ao mesmo tempo, lembro-me dos tempos em que fazia Trail Running, e das muitas vezes que treinava só, no isolamento da Serra D'Aire, da sua natureza ou das suas povoações dispersas. Era o tipo de treino que gostava mais de fazer...apesar de ser importante o treino coletivo, com as dinâmicas de grupo em termos de ritmos, solidariedade, etc, era sozinho, na paz da natureza, usufruindo da energia do natural, do silêncio, do foco no momento.
Não vou de todo colaborar para o manancial de especulações mais ou menos justificadas sobre o que possa ter acontecido ao Luís Grilo. Poderá ter sido alvo de uma intervenção de terceiros, por via de assalto ou outra, ou pode ter sido um acidente de treino motivado por muitos fatores...se é certo que os atletas de competição ou amadores que levam o desporto mais a sério preferem percursos bem conhecidos que lhes permitem focar na performance e na sua medição, reduzindo preocupações periféricas, também é certo que quem treina individualmente detém uma possibilidade de gestão quase infinita do treino, e, em linha com a experiência, pode induzir um número elevado de variações no mesmo. Nunca tendo sido atleta de competição ou amador mais sério, mas tendo sempre gostado de planeamento e gestão, nos meus dias de treinos em serra, tinha um percurso bem definido e balizado no tempo, após a análise de uma série longa de treinos que me permitia saber exatamente em que zona estaria a certo ponto, com certa condição. Certo é que algumas vezes introduzia variações no percurso por decisão momentânea, face a condicionalismos físicos, vontade de um desafio, alterações rápidas na meteorologia, etc. E se por vezes corria bem, outras não era isento de sustos, pois algumas vezes o menor conhecimento dos percursos alternativos trazia alguma surpresas.
Do pouco que vou sabendo pela imprensa, parece-me estranho o abandono do telemóvel. No caso dos triatletas, apenas na água ele não pode ser usado, mas num treino em estrada (seja de corrida ou de bicicleta), é um dos acessórios fundamentais, nomeadamente para um contacto rápido em caso de dificuldades. Se bem que por vezes também seja utilizado na marcação da rota, acredito que o Luís, como todos os atletas que de competição levasse consigo um relógio desportivo. Mas é um facto estranho, e preocupante, o facto de o telemóvel ter sido descartado...à partida não existe uma causa lógica para tal ter acontecido, que não o de uma queda acidental de um bolso, sem o atleta dar conta.
Continuo com esperança, pois ela é sempre a última a partir. Pelo meio, de coração, desejo apenas o melhor para o desfecho desta situação. E também pelo meio, não contem comigo para criticar quem, neste momento, não se encontra apto para se defender...depois de quatro anos de Trail Running, e agora já com dois mais voltado para o Hiking, aprendi o suficiente para saber que muitas vezes as pessoas não sabem o que dizem, e dizem o que não sabem...não será um defeito das pessoas... talvez seja mais feitio de uma sociedade construída numa estrutura "googlada". Além disso, neste tipo de andanças, bem válida continua a velha máxima popular "só quem lá anda é que sabe...". E normalmente, aprender com possíveis falhas faz parte dessa sabedoria.
Não fiquei indiferente ao falecimento de João Semedo. Numa altura em que há um declínio pronunciado na capacidade de pensar a sociedade, e agir na coerência desse pensamento para que nela se estruture um caminho coerente, perder João Semedo é perder um dos mais importantes símbolos portugueses dessa forma de fazer política, focado no mundo, consciente do caminhar...e sobretudo entender que apenas no diálogo encontramos horizontes.
As minhas condolências à família e ao Bloco de Esquerda.
[caption id="attachment_730" align="alignnone" width="750"] Crédito: ZNews24[/caption]Apenas uma nota para tentar perceber algumas coisas que, pelo menos a mim, me fazem muita confusão...
Em situações como a tragédia da Tailândia, muitas vezes as pessoas mais famosas, e com fortes possibilidades financeiras (algo por vezes não relacionado) são acusadas de nada fazerem para lá da mera retórica de circunstância.
Elon Musk colocou a sua The Boring Company a pesquisar formas de conseguir ajudar as 12 crianças e o treinador que se encontravam na gruta. Ainda no decorrer das operações, Musk e a Boring Company propuseram uma solução para auxiliar as operações. Não sou técnico para avaliar se seria uma solução viável ou não, mas atendendo ao facto de que parece terem existido contactos com as equipes no terreno, pelo menos esse conhecimento foi passado para a realização do protótipo, que chegou a ser deslocado para o terreno, levado pelo próprio Elon Musk.
Após a colocação deste trabalho à disposição, Musk foi basicamente alvo de uma campanha de insultos no Twitter, que não parou após a afirmação de que esta solução estaria à disposição para eventuais situações de emergência futura, de carácter similar.
Apesar de, como já é conhecido de todos, não ser um adepto do futebol, não posso deixar de prestar aqui solidariedade à equipe profissional do Sporting Clube de Portugal, e aos jogadores e técnicos que foram, de forma bárbara, agredidos no centro de estágios do clube.
O futebol em Portugal chegou a um nível apenas previsto por todos, e simplesmente ignorado por todos. Nada a que não estejamos já habituados nas nossas vidas profissionais, ou mesmo nos ditâmes sociais que nos regem, mas que no futebol explode no potenciar das emoções, ao sabor do vácuo dos tempos modernos.
Pandora nunca negou ajuda para fechar a sua lendária caixa. Simplesmente, apenas nunca a teve...
De Portugal diziam-me (ao ver as imagens de Lula em S. Bernardo do Campo) que, nos próximos dias, talvez fosse melhor ficar no flat. Comprar alguma comida, não ir à rua, e trabalhar aqui a partir do meu pequeno mundo paulista. Confesso que nunca senti essa necessidade...S. Paulo, em si, estava, e está calma. Sendo um reduto forte anti-PT, todas as pessoas com que falava apenas viam uma saída: a invasão do edíficio do Sindicato dos Metalúrgicos pela Polícia Federal, para executar o mandato de Sérgio Moro. Mas, na prática, a vida continuava calma, e mesmo que em alguns pontos surgissem manifestações, esta zona decididamente não seria uma delas. É certo que o tema povoava as conversas, mas, nas ruas, estas eram apenas povoadas pelas pessoas que dia após dia vão vivendo ou sobrevivendo, num país que realmente é muito sui generis politicamente. Não me senti (e não me sinto) inseguro.
Ainda assim, estímulos não faltariam para algum fenómeno mais generalizado. Um pouco movidos por alguns acontecimentos mais infelizes de violência pontual, mais fora da Grande São Paulo, alguns canais (como a Band) basicamente crucificaram Lula e o PT, de uma forma que não estamos de todo habituados em Portugal, um país onde as tendências políticas da comunicação social começam agora a estar ainda mais bem definidas. Dir-se-ia que, num país como o Brasil, a agressividade da mensagem quase que deixava a entrever um certo fomentar de maiores movimentações, de consequências indefinidas. Um discurso muito polarizado que, ainda assim, não passou de catalisador de discussões de almoço ou de café da manhã. Talvez porque se sentia (e sente) aqui em S.Paulo que só existiria uma solução para este problema, e ela seria inevitável. Mas é também nestas situações que se sente o estrago que este discurso polarizado provoca quando prolongado no tempo numa sociedade sem esperança...sim, a Polícia Federal deveria invadir o edifício, independentemente das pessoas que tombassem nessa operação. E esse ressentimento também se sentia nas conversas de almoço e de café da manhã...E é esse ressentimento silencioso e prolongado, despertando de forma quase convulsiva numa qualquer rutura do tempo que preocupa. Estes dois dias, ele não surgiu. Mas no futuro, o ambiente existe para que ele possa surgir.
Quando escrevo este post, Lula já se entregou, e a Polícia Federal, embora com algumas dificuldades em sair do edifício, conseguiu retirá-lo. Nada de muito inesperado, com algumas grades a serem arremessadas por entre palavras mais violentas, sentidas, exaltadas. Não condeno as pessoas que estiveram em S. Bernardo do Campo para o defender...não cabendo a mim a decisão sobre se Lula é ou não culpado, reconheço que, durante o seu mandato presidencial, todas aquelas pessoas sentiram verdadeiramente uma esperança. No cenário contrário, muitas pessoas o acusam de apenas ter virado ao contrário o sinal da velha política brasileiras de interesses, o que causa muitos sentimentos negativos nos conjuntos políticos nos antípodas do PT...não me cabe a mim decidir...será, contudo, este Brasil extraordinariamente polarizado que irá às urnas em Outubro, apenas com a única certeza de que nenhum dos nomes em presença reúne um capital de confiança capaz de mobilizar o país no rumo da mudança desejada. Por entre táxis e Ubers, oiço que uma das soluções seria o exército tomar o poder, apenas para fazer uma limpeza nas instituições, permitindo surgir esse nome. Por agora, não me parece que o exército esteja unido em torno desta ideia, até pelo passado histórico que protagonizou (ao contrário da sociedade portuguesa, a História aqui ainda é algo que é valorizado). Veremos o que nos traz este futuro a este país do qual genuinamente gosto, onde me sinto bem e onde sou respeitado, e onde, apesar de tudo, na esperança tão típica deste povo, se respira futuro.
Esta foi, definitivamente, uma semana dedicada ao futebol. Desesperadamente dedicada. Por entre os dias foram desfilando as buscas, as suspeições, os programas de comentário vazio ou as colunas de opinião ausente, no perpetuar de uma oportunidade...por entre a imagem e a fama daqueles que são o poder instituído neste desporto, surgem aqueles que também nesse desporto observam o timing da oportunidade de se instituírem, de se mostrarem como a imagem de um novo poder (e associada influência emergentes) por entre a oportunidade criada pela expressão das massas de que algo pode, e deve mudar no futebol.
Não sou apreciador de futebol. Já fui, já vibrei, já sofri...mas a partir de uma certa fase da minha vida decidi colocar de lado (num processo ainda contínuo no tempo presente) o que de acessório nela residia como uma falsa sensação de conforto...pertencer a um clube, a uma tribo, a um conjunto de pessoas com desejos e ambições comuns, faz nascer nas pessoas uma sensação de conforto, de objetivos a perseguir sem serem por eles quase semanalmente cobrados. Assim como o saudosismo encanta e, provisoriamente, liberta das rotinas diárias que nos envolvem numa dinâmica circular de vida, também estes fenómenos de carácter mais tribal, evocando tempos onde a humanidade por instinto procurava vislumbrar caminhos de sobrevivência, inferem sentimentos de união primária, direta, intensa, de uma luta por algo ou alguém, ambos muitas vezes ausentes da vida diária, muitas vezes imersos num conjunto de triunfos e derrotas que se sucedem a um ritmo mais rápido do que se pode tolerar...
Consubstanciado em centenas de anos de evolução, onde muitas vezes foi encarado com um ambiente de refúgio à parte das dinâmicas da história, o futebol foi cultivando ele próprio o seu lugar à parte na sociedade, criando um poder social e económico cada vez maior, que se foi transpondo para o poder político e, muitas vezes, para o poder judicial (já não falando no albergar sobre o seu seio de grupos e situações de legalidade muito questionável), sendo que todo este fenómeno é circularmente, e de forma consentida, alimentado e ampliado por novas realidades emergentes de cada era, que perpetuam este movimento. Tudo tolerado pela crescente necessidade popular de sustentar este poder a que verdadeiramente não pertence, mas que sem dúvida o mantém. A saudável irracionalidade vivida dentro de um estádio de futebol passa para fora dele, prolongando-se para dentro da semana, sentindo-se seja no ambiente familiar, profissional ou social, nunca deixando de estar ausente nos tempos de repouso e convívio familiar ou social, nas conversas com os colegas, no tempo que passamos no trânsito...tudo alimentado por uma dinâmica comunicacional agressiva e por vezes hipócrita, principalmente no que toca ás televisões, que associam o mea culpa do seu papel em termos deste cenário à alimentação do mesmo. Não nos esquecemos, no meio de todo este redemoinho, no papel que o futebol tem na formação dos nossos jovens, sejam eles atletas ou adeptos, e da forma como estes absorvem toda esta cultura de emergência e manipulação do poder por um lado, e de arbitrariedade dos relacionamentos no outro.
No meio de tudo isto, perde-se o que de bom existe no futebol...a tal "irracionalidade de estádio", o convívio salutar entre pessoas que, embora "rivais", partilham o prazer de argumentar e de descomprimir da pressão dos dias, o envolvimento da família...seria na perceção do que se perde em termos do que de bom existe no futebol, que deveria preocupar os adeptos, não apenas do Sport Lisboa e Benfica, Sporting Clube de Portugal, Futebol Clube do Porto ou qualquer grande clube por esse mundo fora; mas igualmente os adeptos dos pequenos clubes...são eles, juntamente com os jogadores, os treinadores e suas equipes, que verdadeiramente movem toda esta indústria que outros tentam levar ao limiar da loucura, afastando-a dessa sua base mais estrutural, ao mesmo tempo que a cativa numa dimensão irracional.
Crédito da Imagem: Desconhecido. Solicito informação / Unknown. Requesting information
Existe em Portugal uma forma muito latina de se olhar a política. Mas, mais do que isso, existem ainda algumas feridas que após cerca de 44 anos ainda se mantêm injustificadamente abertas, reforçando a visão mais baseada no combate puro vitória/derrota, em detrimento da construção de pontes que permitiriam a definição de uma visão mais moderna do pretendido para o país. É algo que exige estudo, análise e reflexão conjuntos (começando inevitavelmente dentro dos próprios partidos), pois cada vez são mais complexas e dinâmicas as variáveis que definem não apenas as vidas pessoais, mas a nossa caminhada enquanto país.
Sempre fui um Social Democrata. E continuo orgulhosamente a ser, embora ciente de que a Social Democracia enfrenta novos desafios, decorrentes do fim da era das ideias e ideais desenhados em regra e esquadro. Nesse sentido, estamos perante uma reflexão que apela a um voltar às raízes da própria Social Democracia, à sua diversidade, transversalidade no tecido sócio-económico e capacidade de geração de pensamento crítico orientado a um fim, compreendendo que mais que os ideais (ainda com o seu peso), é a realidade prática das novas abordagens económicas, sociais, tecnológicas ou ambientais que deve ser a base de uma nova fundamentação da ação política. Não alinho na opinião de que os partidos tradicionais estão mortos, mas estão a bibernar numa sequência de ciclos intermináveis de alcance limitado e fechado. As suas portas devem-se abrir, os seus membros devem olhar e analisar o que os rodeia, as suas salas devem-se encher de verdadeiro espírito de missão, alicerçado na visão global de um mundo que mais do que pular e avançar, parece ter uma mecânica infantil de querer ignorar os desafios dos rumos que toma. É essencial trazer esse mundo, em diversas escalas, para dentro das sedes partidárias, deixando que que ele seja um motor de vontades e de novos caminhos, pelo trabalho de todos.
Não tenho, como é óbvio, o dom da clarividência para fazer julgamentos prematuros de Rui Rio, ou elogios sobre o que ainda não aconteceu. Mas para já, revi-me no discurso de encerramento do 37º Congresso do PSD. Para além de me sentir alinhado com as linhas políticas gerais que orientarão o partido nos próximos tempos (parecendo-me recolocar o partido num posicionamento que lhe é mais natural), senti igualmente uma vontade explícita de abrir o partido e atualizar as suas práticas, dentro do que deve ser a sua intervenção nas áreas onde está inserido. É algo que, como militante de base, me agrada, embora reconhecendo que tal mudança não acontecerá já amanhã, ou depois...o segredo do sucesso da revitalização de qualquer estrutura organizacional reside na gestão entre a mudança efetiva e o timing da mesma, existindo entre as duas fases todo um trabalho de reflexão e planificação. Essencialmente, penso ser este o caminho que pode permitir alcançar a mudança de paradigma no meu, e em todos os partidos, numa aposta que vale a pena. O tempo (e as pessoas) dirão de sua justiça sobre o esforço e o resultado desta mudança.
[caption id="attachment_715" align="alignnone" width="534"] Crédito: Edições D. Quixote[/caption]
Uma reedição da obra de Miguel Torga é sempre algo que destaco. Porque Torga é uma paixão antiga, quase paradoxal na minha vida. Existe na sua austeridade (um atributo de personalidade que em mim não encontro), uma força que alimenta a vitalidade do seu pensamento, que se mantém simples, direto, e sem filtros, evocando a visão do homem enquanto povo, do povo enquanto país...e do país que daí resulta, em retratos mais ou menos positivos, mas sempre com o sentimento de quem nunca pretendeu ser mais do que um homem do povo, entre o povo. Um pensamento despretencioso, e, por isso, cada vez mais raro nos dias que correm, mas igualmente cada vez mais necessário. Um grande bem haja às Edições D. Quixote, por esta iniciativa.