Para aqueles que abdicam da praia, por estar nublado...
Ao caminhar pelo areal, num dia em que o cinzento escuro das nuvens por vezes se recorta em pedaços de céu azul, reparem em como a cor do mar muda, de um prateado intenso, para um azul esverdeado que se apresenta tão vivido quanto mais intensa for a luz. É algo para se ir apreciando pela caminhada, por entre a luz do que nos rodeia e, por vezes as nossas sombras.
Vale a pena ver como a natureza, nos momentos que pensamos menos oportunos ou agradáveis, se revela um tão fiel espelho de nós.PS - Deixe o telemóvel junto dos seus. Desfrute o momento.
Há medida que as férias vão entrando na reta final, dou por mim a pensar que foram das mais agradáveis que tive nos últimos tempos. Sem longas deslocações (que o viajante ainda vai recuperando baterias), sem grandes exuberâncias, com as pessoas que comigo querem estar e com quem quero estar. Pelo meio, o degustar de boas refeições em paz, longas caminhadas na praia, por locais onde as pegadas são inexistentes, e as vozes se remetem ao silêncio enquanto a alma, essa se completa no nada...e um trabalho profícuo para dar corpo à vontade de retornar a atividades que em mim despertam uma profunda paz, pela forma como as amo e como me definem...um retorno que comecei a sentir e a desejar com muita intensidade, após um episódio intenso em termos de saúde, vivido ainda no Brasil.
E foi assim que a escrita voltou a ser uma companhia próxima, agora também aberta a temas e formatos que pouco ou nada ainda havia tentado...igualmente, vou-me iniciando nos podcasts, um tipo de expressão cuja descoberta me vai dando muito prazer, por entre uma limitação inicial de recursos e os takes falhados em cada episódio. Cada um deles possui um texto escrito, e posteriormente gravado, e ambos não se afiguram tão fáceis quanto possa parecer à primeira vista. O texto exige um maior equilíbrio entre a síntese e a minha forma natural, mais reflexiva de escrever, o que por agora não tem sido um exercício nada fácil. E a gravação coloca-me perante desafios muito divertidos, sendo um trabalho tanto de paciência como de aprendizagem (até para potenciar os poucos recursos). Ainda assim, faz-me feliz o facto de ainda sentir em mim um gosto em seguir caminhos e posturas diferentes das tendências vigentes, o que sinceramente já duvidava um pouco...nunca me revi na esmagadora maioria dos podcasts que ouvi, e assumo essa diferença no pressuposto de achar que uma mensagem não necessita de ser coreografada como um espetáculo de variedades para ser transmitida e entendida de forma eficiente. Não digo que a minha já o seja. Mas um caminho, qualquer que seja, tem a particularidade de se ir fazendo...caminhando...aprendendo passo a passo, sabendo evoluir com as lições dos erros encontrados. Por fim, regressar à fotografia é voltar a casa, trazido por uma paixão intensa, cheia de partidas e regressos, quase que assumindo uma dimensão de tragédia romântica...é voltar a uma forma muito particular de diálogo interior, imerso no silêncio com que a alma observa o mundo, e nele se dissolve numa paz que se traduz na forma quase orgânica com que se trabalha com uma máquina fotográfica (algo que não se consegue com um telemóvel), e se caminha pelo mundo que nos rodeia, movimentando-me de forma leve, mais lenta e profunda...o trabalho por agora tem sido mais de edição de material já existente, e há muito parado, mas o chamamento é forte, irresistível...
Naquela noite em S. Paulo, quando nada mais do que o silêncio habitava a cidade, e quando parecia que a cabeça, e um dos olhos, iam rebentar, sentei-me na cama e, pela primeira vez em algum tempo, e pensei na vida. Entre o que temos e o que julgamos ter, tudo fica difuso face à incerteza do momento. Nessa altura o tempo encurta...e muito, perante uma inevitabilidade que se sente eminente. Senti o mesmo quando há cerca de ano e meio tive o acidente de carro, apenas me lembrando daqueles últimos segundos, que se pareciam esvair rumo a algo inevitável...são esses segundos que nos dão a perceção da caminhada do nosso viver...ao contrário do senso comum, nenhum acontecimento, de forma automática, transmite-nos todas as lições que precisamos. Por entre as experiências vividas, subimos uma escada apenas nossa, nas inúmeras formas como ela se transforma e molda as experiências que vivemos na busca do equilíbrio, do desígnio que desejamos no nosso viver, nunca nos abandonando pelos diversos caminhos trilhados.
Desde que regressei do Brasil que não tive um momento de verdadeiro descanso, tal como tenho neste final de semana. Foram duas semanas intensas, e que apenas agora me permitem simplesmente deitar a cabeça e fechar os olhos, ou trabalhar nas novidades no meu blog, que vão avançando a um ritmo estável. Espero já este fim de semana, ou no próximo, iniciar a distribuição das mesmas (com alguns ajustes iniciais que possam ser necessários).
Duas formas de desligar...de descansar e de caminhar...Crédito da imagem: Paulo Heleno
A vida é feita de pequenos despertares. Cirúrgicos, eles chegam por vezes quando no sono saudamos a madrugada, ou no anoitecer desejamos a manhã. São silenciosos, por vezes impercetíveis. Mas no caminhar da vida, olhando para trás, podemos olhar para eles com um misto de alegria e paz, sorriso e gratidão, pelas experiências que deles obtemos no nosso viver.
Há cerca de duas semanas acordei especialmente motivado. De uma noite bem dormida nasceu a ideia de, dentro da minha esfera profissional, começar a abraçar as temáticas da Inteligência Artificial, do Machine Learning e do Deep Learning. Talvez possa parecer um cenário ridículo mas foi realmente assim que aconteceu, isto apesar de a ideia já me rondar há algum tempo, mais precisamente desde que comecei a sentir, com profunda acuidade, de que algo novo, em termos profissionais, deveria nascer em mim; isto apesar da minha ocupação atual. E bem vistas todas as situações, penso que será inevitável que os Sistemas Integrados de Gestão, independentemente do seu dimensionamento, caminhem para uma relação estruturalmente umbilical com, mais do que uma nova tecnologia, uma nova forma de encarar o trabalho, a sociedade, e o homem. Penso que a sua integração em novas visões multidisciplinares da empresa e da realidade sócio-económica contextual que a rodeia, definirá todo o nosso futuro. Depende de nós a forma como com ela lidamos, e depende nós a forma como ela se relacionará com o mundo onde nasce. Ainda assim, apesar de tudo, e numa visão futura, confesso que algumas dúvidas subsistem em mim sobre a forma como uma sociedade eminentemente tecnológica, lidará com a realidade filosófica deste momento, no momentâneo da humanidade face ao tempo...e quem bem me conhece sabe que neste pensamento, reside uma das raízes da minha motivação.
E explica-se assim o meu silêncio das últimas semanas. Porque quando inicio algo novo, são intensos os tempos dentro de mim, que me tornam num vazio intemporal que tudo absorve, num ideal utópico de saciedade que motiva sempre a aprendizagem real e diária.
Sou um espetador atento do Curso de Cultura Geral, da Anabela Mota Ribeiro, e mantenho o seu blog como um dos seguidos aqui no Omnia. Numa das minhas noites semanais de catarse da rotina dos dias, decidi aceitar o desafio dos 10 itens marcantes, na esfera pessoal, da minha relação com a cultura. Com as minhas desculpas à Anabela por me intrometer nestes desafios semanais que tanto aprecio ouvir, e que me fazem renascer num aconchegante e terno sentimento interior de caminhada, perpétua no silêncio da alma...assim, sem nenhuma ordem de importância em particular:
A minha viagem aos Pirinéus. Durante cerca de duas semanas, viver cores que nunca vi tão vivas, imersas na profundidade de um silêncio como nunca vivi, em altitudes a que nunca subi. Conhecendo ainda pessoas e culturas (nomeadamente a basca) de uma forma tão vivida.
Ler Norwegian Wood, de Haruki Murakami. De vivenciar num livro tantas dinâmicas interiores já sentidas, de sentir, não orgulho, mas paz, e uma profunda gratidão, de já ter vivido algo tão puro, e ao mesmo tempo tão distante.
Ter participado nas manifestações estudantis dos anos 90. Deixei nessa época parte de uma vida não destinada a viver, mas nelas encontrei outra vida de muito mais sentido e ativa. Nenhum ideal tem limites, muito menos os da ilusão moderna de que lutamos por ideais.
Ler A Midsummer Night's Dream, de Shakespeare, e de achar que sim, viver pode ser uma experiência mágica...na morte interior renasce sempre uma luz imemorial, que brilha em nós independentemente do que lhe chamamos. Eu gosto de lhe chamar criança.
Conhecer a história da Astronomia, e conhecer o céu noturno. Desde pequeno que não meço o mundo como a comum das pessoas, nem a alma como a dos incomuns imortais. Algures no meio caminho na magia de um universo que se espelha, e renova em mim, em todos.
As caminhadas na praia...daquelas que duram kilometros e que nos levam muitas vezes a locais que apenas julgamos existir longe...por onde as pegadas se apagam da areia e apenas somos o som do mar que nos desvanece em puro pensamento...meditar é isso...é ser som de mar em areias de silêncio.
Fotografar. Sentir o mundo como a visão de um Eu profundo, que se manifesta no preto e branco da essência de viver.
Vivenciar Nighthawks, de Edward Hopper. Num bar unem-se mundos em pessoas que se encontram...sou cada uma delas, sou apenas quem as procura, sou apenas quem as deixou...
Bach, interpretado por Yo-Yo Ma. No final do dia, do que teve de bom e de mau, de perfídia ou de humildade, do apenas vácuo de interesse, ao interesse intenso e pleno, a suite nº1 é sempre a porta que na noite em mim se abre...não consigo pensar em mais nada, quando nela me dissolvo em essência de nada.
Abraçar, viver, sentir o meu Bonsai, e com ele aprender... partilhar com ele o meu mundo, e ser grato por ele caminhar comigo.