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Omnia in Unum

Omnia in Unum

Bourdain

[caption id="attachment_684" align="alignnone" width="1200"]anthony-bourdain Crédito: Desconhecido. Solicito informação.[/caption]

Como todo o mundo, fui apanhado de surpresa pelo falecimento de Bourdain. Soube através de um tweet da CNN, e imediatamente me invadiu um sentimento de vazio, nunca preenchido pelo constante fluxo de informação que se seguiu. Sendo fã dos seus livros, da sua personalidade, duas coisas me encantavam especialmente. Em primeiro lugar, a postura de enfant terrible num mundo tão artificial quanto o da alta cozinha, onde impera a ditadura da imagem e o vazio da essência. Bourdain dava a esse mundo um colorido tão característico da sua personalidade sempre desperta, tão inquietante como inquieta, tão irreverente como criativa, um predicado apenas reservado aos génios, uma genialidade apenas reservada aos espíritos livres, que sentem e refletem o mundo que observa, os caminhos que passam, os céus que os acompanham.

Mas a principal qualidade que apreciava em Bourdain era a sua visão global do mundo, baseada nos seus aromas, nos seus sabores, e na forma como os explanava nas suas viagens. Bourdain era o protótipo do viajante de que tanto falo, viajando pelo mundo tão livre quanto o horizonte do seu sentir. Apesar da sua fama, com todos falava, com todos comia, sempre com a sua natural curiosidade, fosse no fino restaurante ou na roulotte de rua. E depois de tudo, de respirar e de usufruir de cada viagem e de cada ambiente, era imensa a forma como, qualquer viajante, sabia voltar...as suas entrevistas, as suas aparições públicas, eram acontecimentos para serem ouvidos e sentidos. Bourdain contava as suas experiências, o que sentia com elas e as lições que delas tirava, de uma forma tão profunda quanto simples. Sabia voltar, transmitindo algo, dando a conhecer um pouco mais do mundo que na visão dele era unido na extraordinária diversidade dos seus sabores, das suas cores, das suas sensações. Deixava-nos a todos um pouco mais ricos, na partilha da sua experiência, para depois voltar a partir.

Enquanto toda a informação do seu falecimento ia desfilando, dei por mim a pensar que Bourdain iria adorar conhecer o restaurante nordestino que me indicaram perto do local onde me encontrava, em S. Paulo, e que à boa cozinha tradicional adicionava a cultura nordestina e a simpatia dos seus empregados . E com toda a certeza, a simpatia dos convites que tive para experimentar pratos típicos de cozinha brasileira em casa de colegas, não lhe passaria despercebida. Embora apenas tenha tido contacto com o seu trabalho nos últimos anos, não consigo deixar partir um sentimento de perda por alguém que tinha essa forma tão simples e global de sentir o mundo, com a qual me identifico...simplesmente desfrutar, caminhar, conhecer, seja na chuva de Londres, nos pequenos povoados dos Pirinéus, ou no sol de S. Paulo, e que me despertava uma certa figura de mentor. Se alguma lição Bourdain nos deixa é a de que, num mundo que vai ficando cada vez mais tenso nas suas dinâmicas geopolíticas, não devemos esquecer o que nos une enquanto humanidade, uma simplicidade construída por milhares de anos, revelada numa diversidade que a todos nos define. Esse é o nosso caminho. O único caminho. Trilhar esse percurso pode ser algo tão simples quanto apreciar o que nos rodeia de uma forma diferente, como nosso, independentemente da parte do mundo onde estejamos.

Descansa em paz, Anthony Bourdain. Obrigado pelo mundo que nos revelaste com as tuas viagens.

Silêncios paulistas

O silêncio em S. Paulo é um bem raro. Anda normalmente acompanhado da noite mas, na zona onde neste momento resido, o fim de semana é igualmente bastante calmo, e quer o começo, quer o final do dia, trazem momentos desse bem tão escasso. E assim, após uma semana bastante intensa, principalmente no seu final, acordei hoje como num estado de realidade suspensa, como se vivendo uma travagem brusca, colocando-me naquele pequeno momento de segundos em que nos perguntamos o que aconteceu. E à medida que descobrimos que hoje não há Ubers para apanhar às 07:15, o dia torna-se subitamente mais belo, mais relaxante...aquele mero segundo vai-se prolongando por boa parte da manhã. Sem grande resistência (diga-se).

Os silêncios paulistas são, de facto, tão intensos quanto a realidade da vida diária. Isso torna a minha vida quotidiana como que um cenário de navegação num mar agitado, em que a adrenalina das ondas dá, ciclicamente, lugar a um repouso que desperta a mente e o espírito, como nunca me acontece em Portugal. A leitura, a música, o simplesmente estar deitado na contemplação de uma mente tão próxima da anulação face ao horizonte do espírito...tudo ganha uma nova dimensão. E as decisões ficam mais nítidas, o que somos é nos temporariamente devolvido, e o que queremos ser, naturalmente acorda.

E olha longe. Muito longe...