Não fiquei indiferente ao falecimento de João Semedo. Numa altura em que há um declínio pronunciado na capacidade de pensar a sociedade, e agir na coerência desse pensamento para que nela se estruture um caminho coerente, perder João Semedo é perder um dos mais importantes símbolos portugueses dessa forma de fazer política, focado no mundo, consciente do caminhar...e sobretudo entender que apenas no diálogo encontramos horizontes.
As minhas condolências à família e ao Bloco de Esquerda.
A vida é feita de pequenos despertares. Cirúrgicos, eles chegam por vezes quando no sono saudamos a madrugada, ou no anoitecer desejamos a manhã. São silenciosos, por vezes impercetíveis. Mas no caminhar da vida, olhando para trás, podemos olhar para eles com um misto de alegria e paz, sorriso e gratidão, pelas experiências que deles obtemos no nosso viver.
Há cerca de duas semanas acordei especialmente motivado. De uma noite bem dormida nasceu a ideia de, dentro da minha esfera profissional, começar a abraçar as temáticas da Inteligência Artificial, do Machine Learning e do Deep Learning. Talvez possa parecer um cenário ridículo mas foi realmente assim que aconteceu, isto apesar de a ideia já me rondar há algum tempo, mais precisamente desde que comecei a sentir, com profunda acuidade, de que algo novo, em termos profissionais, deveria nascer em mim; isto apesar da minha ocupação atual. E bem vistas todas as situações, penso que será inevitável que os Sistemas Integrados de Gestão, independentemente do seu dimensionamento, caminhem para uma relação estruturalmente umbilical com, mais do que uma nova tecnologia, uma nova forma de encarar o trabalho, a sociedade, e o homem. Penso que a sua integração em novas visões multidisciplinares da empresa e da realidade sócio-económica contextual que a rodeia, definirá todo o nosso futuro. Depende de nós a forma como com ela lidamos, e depende nós a forma como ela se relacionará com o mundo onde nasce. Ainda assim, apesar de tudo, e numa visão futura, confesso que algumas dúvidas subsistem em mim sobre a forma como uma sociedade eminentemente tecnológica, lidará com a realidade filosófica deste momento, no momentâneo da humanidade face ao tempo...e quem bem me conhece sabe que neste pensamento, reside uma das raízes da minha motivação.
E explica-se assim o meu silêncio das últimas semanas. Porque quando inicio algo novo, são intensos os tempos dentro de mim, que me tornam num vazio intemporal que tudo absorve, num ideal utópico de saciedade que motiva sempre a aprendizagem real e diária.
De Portugal diziam-me (ao ver as imagens de Lula em S. Bernardo do Campo) que, nos próximos dias, talvez fosse melhor ficar no flat. Comprar alguma comida, não ir à rua, e trabalhar aqui a partir do meu pequeno mundo paulista. Confesso que nunca senti essa necessidade...S. Paulo, em si, estava, e está calma. Sendo um reduto forte anti-PT, todas as pessoas com que falava apenas viam uma saída: a invasão do edíficio do Sindicato dos Metalúrgicos pela Polícia Federal, para executar o mandato de Sérgio Moro. Mas, na prática, a vida continuava calma, e mesmo que em alguns pontos surgissem manifestações, esta zona decididamente não seria uma delas. É certo que o tema povoava as conversas, mas, nas ruas, estas eram apenas povoadas pelas pessoas que dia após dia vão vivendo ou sobrevivendo, num país que realmente é muito sui generis politicamente. Não me senti (e não me sinto) inseguro.
Ainda assim, estímulos não faltariam para algum fenómeno mais generalizado. Um pouco movidos por alguns acontecimentos mais infelizes de violência pontual, mais fora da Grande São Paulo, alguns canais (como a Band) basicamente crucificaram Lula e o PT, de uma forma que não estamos de todo habituados em Portugal, um país onde as tendências políticas da comunicação social começam agora a estar ainda mais bem definidas. Dir-se-ia que, num país como o Brasil, a agressividade da mensagem quase que deixava a entrever um certo fomentar de maiores movimentações, de consequências indefinidas. Um discurso muito polarizado que, ainda assim, não passou de catalisador de discussões de almoço ou de café da manhã. Talvez porque se sentia (e sente) aqui em S.Paulo que só existiria uma solução para este problema, e ela seria inevitável. Mas é também nestas situações que se sente o estrago que este discurso polarizado provoca quando prolongado no tempo numa sociedade sem esperança...sim, a Polícia Federal deveria invadir o edifício, independentemente das pessoas que tombassem nessa operação. E esse ressentimento também se sentia nas conversas de almoço e de café da manhã...E é esse ressentimento silencioso e prolongado, despertando de forma quase convulsiva numa qualquer rutura do tempo que preocupa. Estes dois dias, ele não surgiu. Mas no futuro, o ambiente existe para que ele possa surgir.
Quando escrevo este post, Lula já se entregou, e a Polícia Federal, embora com algumas dificuldades em sair do edifício, conseguiu retirá-lo. Nada de muito inesperado, com algumas grades a serem arremessadas por entre palavras mais violentas, sentidas, exaltadas. Não condeno as pessoas que estiveram em S. Bernardo do Campo para o defender...não cabendo a mim a decisão sobre se Lula é ou não culpado, reconheço que, durante o seu mandato presidencial, todas aquelas pessoas sentiram verdadeiramente uma esperança. No cenário contrário, muitas pessoas o acusam de apenas ter virado ao contrário o sinal da velha política brasileiras de interesses, o que causa muitos sentimentos negativos nos conjuntos políticos nos antípodas do PT...não me cabe a mim decidir...será, contudo, este Brasil extraordinariamente polarizado que irá às urnas em Outubro, apenas com a única certeza de que nenhum dos nomes em presença reúne um capital de confiança capaz de mobilizar o país no rumo da mudança desejada. Por entre táxis e Ubers, oiço que uma das soluções seria o exército tomar o poder, apenas para fazer uma limpeza nas instituições, permitindo surgir esse nome. Por agora, não me parece que o exército esteja unido em torno desta ideia, até pelo passado histórico que protagonizou (ao contrário da sociedade portuguesa, a História aqui ainda é algo que é valorizado). Veremos o que nos traz este futuro a este país do qual genuinamente gosto, onde me sinto bem e onde sou respeitado, e onde, apesar de tudo, na esperança tão típica deste povo, se respira futuro.
Esta foi, definitivamente, uma semana dedicada ao futebol. Desesperadamente dedicada. Por entre os dias foram desfilando as buscas, as suspeições, os programas de comentário vazio ou as colunas de opinião ausente, no perpetuar de uma oportunidade...por entre a imagem e a fama daqueles que são o poder instituído neste desporto, surgem aqueles que também nesse desporto observam o timing da oportunidade de se instituírem, de se mostrarem como a imagem de um novo poder (e associada influência emergentes) por entre a oportunidade criada pela expressão das massas de que algo pode, e deve mudar no futebol.
Não sou apreciador de futebol. Já fui, já vibrei, já sofri...mas a partir de uma certa fase da minha vida decidi colocar de lado (num processo ainda contínuo no tempo presente) o que de acessório nela residia como uma falsa sensação de conforto...pertencer a um clube, a uma tribo, a um conjunto de pessoas com desejos e ambições comuns, faz nascer nas pessoas uma sensação de conforto, de objetivos a perseguir sem serem por eles quase semanalmente cobrados. Assim como o saudosismo encanta e, provisoriamente, liberta das rotinas diárias que nos envolvem numa dinâmica circular de vida, também estes fenómenos de carácter mais tribal, evocando tempos onde a humanidade por instinto procurava vislumbrar caminhos de sobrevivência, inferem sentimentos de união primária, direta, intensa, de uma luta por algo ou alguém, ambos muitas vezes ausentes da vida diária, muitas vezes imersos num conjunto de triunfos e derrotas que se sucedem a um ritmo mais rápido do que se pode tolerar...
Consubstanciado em centenas de anos de evolução, onde muitas vezes foi encarado com um ambiente de refúgio à parte das dinâmicas da história, o futebol foi cultivando ele próprio o seu lugar à parte na sociedade, criando um poder social e económico cada vez maior, que se foi transpondo para o poder político e, muitas vezes, para o poder judicial (já não falando no albergar sobre o seu seio de grupos e situações de legalidade muito questionável), sendo que todo este fenómeno é circularmente, e de forma consentida, alimentado e ampliado por novas realidades emergentes de cada era, que perpetuam este movimento. Tudo tolerado pela crescente necessidade popular de sustentar este poder a que verdadeiramente não pertence, mas que sem dúvida o mantém. A saudável irracionalidade vivida dentro de um estádio de futebol passa para fora dele, prolongando-se para dentro da semana, sentindo-se seja no ambiente familiar, profissional ou social, nunca deixando de estar ausente nos tempos de repouso e convívio familiar ou social, nas conversas com os colegas, no tempo que passamos no trânsito...tudo alimentado por uma dinâmica comunicacional agressiva e por vezes hipócrita, principalmente no que toca ás televisões, que associam o mea culpa do seu papel em termos deste cenário à alimentação do mesmo. Não nos esquecemos, no meio de todo este redemoinho, no papel que o futebol tem na formação dos nossos jovens, sejam eles atletas ou adeptos, e da forma como estes absorvem toda esta cultura de emergência e manipulação do poder por um lado, e de arbitrariedade dos relacionamentos no outro.
No meio de tudo isto, perde-se o que de bom existe no futebol...a tal "irracionalidade de estádio", o convívio salutar entre pessoas que, embora "rivais", partilham o prazer de argumentar e de descomprimir da pressão dos dias, o envolvimento da família...seria na perceção do que se perde em termos do que de bom existe no futebol, que deveria preocupar os adeptos, não apenas do Sport Lisboa e Benfica, Sporting Clube de Portugal, Futebol Clube do Porto ou qualquer grande clube por esse mundo fora; mas igualmente os adeptos dos pequenos clubes...são eles, juntamente com os jogadores, os treinadores e suas equipes, que verdadeiramente movem toda esta indústria que outros tentam levar ao limiar da loucura, afastando-a dessa sua base mais estrutural, ao mesmo tempo que a cativa numa dimensão irracional.
Crédito da Imagem: Desconhecido. Solicito informação / Unknown. Requesting information
Confesso que vejo com alguma estranheza as ondas de saudosismo que amíude invadem os que me rodeiam...não sendo eu pessoa propriamente virada para as recordações, sinto-me por vezes perdido numa dimensão algo intemporal, por entre tanto desejo do regresso de um passado mais ou menos distante, e que traz consigo uma sensação circular, do algo já vivido que desponta por entre algo ainda a viver.
Vejo nisso a afirmação de silêncios modernos que vagueiam em nós sem destino, filhos de uma casa pródiga nunca encontrada. O regresso à infância e adolescência assume-se basicamente como o regresso bucólico a um tempo mais simples, de menos restrições e mais permissões, onde os horizontes renasciam por entre as tristezas volúveis das tempestades primaveris desses tempos. Existiam sonhos, esperanças...acima de tudo, existiam escolhas, que se tornavam maiores e mais abertas quanto mais longe se ousava ver, ou quanto mais se sentia a intensidade do viver. Volta-se, sobretudo, ao único ponto da vida onde muitas vezes se sentiu uma verdadeira felicidade e, mais do que isso, uma verdadeira conexão com uma identidade que muitas vezes, no presente, se sente perdida, algures no caminho.
A submersão nas realidades sócio-económicas diárias reduzem os sonhos, esculpem o tempo por entre a rigidez das rotinas, aprisionam os hábitos nos ditames morais do que deve ser a evolução da pessoa no seu trilho de vida, molda-se o Ser no navegar por entre cortinas de fumo permanentemente mutáveis. Temos a noção de que deixámos de ser exploradores da vida, ousados no que desejamos para a nossa felicidade, para sermos visitantes de pequenos mundos, fabricados fora de nós, e onde a circularidade da existência torna-nos nada mais do que uma gigantesca montra para poderes que não controlamos, mas cuja existência desejamos na vida diária, pois nessa existência, ainda que cénica e virtual, encontra-se um rumo, por vezes há muito perdido.
Ainda assim, assistimos a novas formas de pensar a vida, que não a da resignação ao recordar da vivência do passado. A consciência do que se perdeu começa a ser fundamental no emergir de um novo tecido social, menos fundamentado nos dogmas sociais, e mais no que se deseja buscar da nossa felicidade...consubstancia-se, no geral, no regresso a uma vida mais simples, mais minimalista de ver a nossa caminhada. De formas variadas, mais ou menos dramáticas, assistimos a quebras de laços afetivos, profissionais ou sociais, emergindo novos paradigmas de relacionamento (independentemente do tipo), trabalho ou social, mas igualmente de relacionamento com a humanidade que a todos nos une, e com o planeta que nos acolhe. Em todos esses casos, cada vez mais presentes, podemos também ver um regresso ao que fomos, devolvendo sorrisos, retomando a capacidade de escolher e de definir novos horizontes. É uma renovação mais estrutural da sociedade que, parece-me, é bem mais estimulante, bem mais geradora de desafios para nós e para as gerações futuras, do que induzir uma falsa sensação de felicidade através de uma rotina circular entre o vazio dos dias, e um desejo mais automático do que refletido de ir a uma qualquer festa, embarcar numa qualquer moda revivalista, ou ir a um qualquer ginásio para um reencontro com um passado que não volta.
Torna-se igualmente interessante refletir sobre a estrutura sócio-económica que tendencialmente nasce deste movimento. Da emergência de uma economia mais direta, colaborativa e local à economia circular, passando por reduções nas necessidades de consumo, uma maior consciência ambiental e uma redução das necessidades produtivas em organizações que cada vez mais tenderão a colocar a sustentabilidade do homem e do meio como pilares da sua atuação, é algo a ser analisado com muita atenção, numa reflexão que (apesar de estarmos perante uma tendência de médio/longo prazo) apenas depende da nossa vontade em olhar o futuro a partir do nosso ponto presente, e de não esquecermos o principal objetivo que norteia a caminhada humana. A felicidade.
Existe em Portugal uma forma muito latina de se olhar a política. Mas, mais do que isso, existem ainda algumas feridas que após cerca de 44 anos ainda se mantêm injustificadamente abertas, reforçando a visão mais baseada no combate puro vitória/derrota, em detrimento da construção de pontes que permitiriam a definição de uma visão mais moderna do pretendido para o país. É algo que exige estudo, análise e reflexão conjuntos (começando inevitavelmente dentro dos próprios partidos), pois cada vez são mais complexas e dinâmicas as variáveis que definem não apenas as vidas pessoais, mas a nossa caminhada enquanto país.
Sempre fui um Social Democrata. E continuo orgulhosamente a ser, embora ciente de que a Social Democracia enfrenta novos desafios, decorrentes do fim da era das ideias e ideais desenhados em regra e esquadro. Nesse sentido, estamos perante uma reflexão que apela a um voltar às raízes da própria Social Democracia, à sua diversidade, transversalidade no tecido sócio-económico e capacidade de geração de pensamento crítico orientado a um fim, compreendendo que mais que os ideais (ainda com o seu peso), é a realidade prática das novas abordagens económicas, sociais, tecnológicas ou ambientais que deve ser a base de uma nova fundamentação da ação política. Não alinho na opinião de que os partidos tradicionais estão mortos, mas estão a bibernar numa sequência de ciclos intermináveis de alcance limitado e fechado. As suas portas devem-se abrir, os seus membros devem olhar e analisar o que os rodeia, as suas salas devem-se encher de verdadeiro espírito de missão, alicerçado na visão global de um mundo que mais do que pular e avançar, parece ter uma mecânica infantil de querer ignorar os desafios dos rumos que toma. É essencial trazer esse mundo, em diversas escalas, para dentro das sedes partidárias, deixando que que ele seja um motor de vontades e de novos caminhos, pelo trabalho de todos.
Não tenho, como é óbvio, o dom da clarividência para fazer julgamentos prematuros de Rui Rio, ou elogios sobre o que ainda não aconteceu. Mas para já, revi-me no discurso de encerramento do 37º Congresso do PSD. Para além de me sentir alinhado com as linhas políticas gerais que orientarão o partido nos próximos tempos (parecendo-me recolocar o partido num posicionamento que lhe é mais natural), senti igualmente uma vontade explícita de abrir o partido e atualizar as suas práticas, dentro do que deve ser a sua intervenção nas áreas onde está inserido. É algo que, como militante de base, me agrada, embora reconhecendo que tal mudança não acontecerá já amanhã, ou depois...o segredo do sucesso da revitalização de qualquer estrutura organizacional reside na gestão entre a mudança efetiva e o timing da mesma, existindo entre as duas fases todo um trabalho de reflexão e planificação. Essencialmente, penso ser este o caminho que pode permitir alcançar a mudança de paradigma no meu, e em todos os partidos, numa aposta que vale a pena. O tempo (e as pessoas) dirão de sua justiça sobre o esforço e o resultado desta mudança.
Acho que Adolfo Mesquita Nunes tomou uma decisão corajosa. A tomada de posição publica de afirmação de homosexualidade é sempre algo que provoca reações algo primárias, características num país onde a opinião pública se confunde com as necessidades de afirmação de cada um na rede social da sua preferência, num confronto de posições extremas que apenas serve o cultivo desses próprios extremismos. Para além disso, não é um posicionamento perante a vida bem visto numa certa ala conservadora da política e da sociedade portuguesas, onde com toda a certeza se movimentará. Mas a comunidade é, em sim mesma, a soma das suas individualidades, com a coragem de assumir formas de vida, viver por elas, sofrer por elas, pagar por elas, por vezes até morrer por elas.
É assim uma decisão que, na sequência de outras anteriores, e prevendo algumas que se seguirão, contribui para um caminho de maior maturidade desse todo chamado sociedade, fazendo lentamente cair tabus e preconceitos, fazendo pensar sobre a afirmação da pessoa de uma forma cada vez mais liberta (e, seria bom, na hipocrisia muitas vezes existente entre o dito e o sentido), aceitando todos dentro da sua individualidade e no direito de cada um ser e viver o seu caminho de felicidade, no respeito por si mesmo e pelos outros.