Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Omnia in Unum

Omnia in Unum

Férias que passam...

[caption id="attachment_747" align="alignnone" width="1024"]120-felicidade Crédito: WGospel[/caption]

Há medida que as férias vão entrando na reta final, dou por mim a pensar que foram das mais agradáveis que tive nos últimos tempos. Sem longas deslocações (que o viajante ainda vai recuperando baterias), sem grandes exuberâncias, com as pessoas que comigo querem estar e com quem quero estar. Pelo meio, o degustar de boas refeições em paz, longas caminhadas na praia, por locais onde as pegadas são inexistentes, e as vozes se remetem ao silêncio enquanto a alma, essa se completa no nada...e um trabalho profícuo para dar corpo à vontade de retornar a atividades que em mim despertam uma profunda paz, pela forma como as amo e como me definem...um retorno que comecei a sentir e a desejar com muita intensidade, após um episódio intenso em termos de saúde, vivido ainda no Brasil.

E foi assim que a escrita voltou a ser uma companhia próxima, agora também aberta a temas e formatos que pouco ou nada ainda havia tentado...igualmente, vou-me iniciando nos podcasts, um tipo de expressão cuja descoberta me vai dando muito prazer, por entre uma limitação inicial de recursos e os takes falhados em cada episódio. Cada um deles possui um texto escrito, e posteriormente gravado, e ambos não se afiguram tão fáceis quanto possa parecer à primeira vista. O texto exige um maior equilíbrio entre a síntese e a minha forma natural, mais reflexiva de escrever, o que por agora não tem sido um exercício nada fácil. E a gravação coloca-me perante desafios muito divertidos, sendo um trabalho tanto de paciência como de aprendizagem (até para potenciar os poucos recursos). Ainda assim, faz-me feliz o facto de ainda sentir em mim um gosto em seguir caminhos e posturas diferentes das tendências vigentes, o que sinceramente já duvidava um pouco...nunca me revi na esmagadora maioria dos podcasts que ouvi, e assumo essa diferença no pressuposto de achar que uma mensagem não necessita de ser coreografada como um espetáculo de variedades para ser transmitida e entendida de forma eficiente. Não digo que a minha já o seja. Mas um caminho, qualquer que seja, tem a particularidade de se ir fazendo...caminhando...aprendendo passo a passo, sabendo evoluir com as lições dos erros encontrados. Por fim, regressar à fotografia é voltar a casa, trazido por uma paixão intensa, cheia de partidas e regressos, quase que assumindo uma dimensão de tragédia romântica...é voltar a uma forma muito particular de diálogo interior, imerso no silêncio com que a alma observa o mundo, e nele se dissolve numa paz que se traduz na forma quase orgânica com que se trabalha com uma máquina fotográfica (algo que não se consegue com um telemóvel), e se caminha pelo mundo que nos rodeia, movimentando-me de forma leve, mais lenta e profunda...o trabalho por agora tem sido mais de edição de material já existente, e há muito parado, mas o chamamento é forte, irresistível...

Naquela noite em S. Paulo, quando nada mais do que o silêncio habitava a cidade, e quando parecia que a cabeça, e um dos olhos, iam rebentar, sentei-me na cama e, pela primeira vez em algum tempo, e pensei na vida. Entre o que temos e o que julgamos ter, tudo fica difuso face à incerteza do momento. Nessa altura o tempo encurta...e muito, perante uma inevitabilidade que se sente eminente. Senti o mesmo quando há cerca de ano e meio tive o acidente de carro, apenas me lembrando daqueles últimos segundos, que se pareciam esvair rumo a algo inevitável...são esses segundos que nos dão a perceção da caminhada do nosso viver...ao contrário do senso comum, nenhum acontecimento, de forma automática, transmite-nos todas as lições que precisamos. Por entre as experiências vividas, subimos uma escada apenas nossa, nas inúmeras formas como ela se transforma e molda as experiências que vivemos na busca do equilíbrio, do desígnio que desejamos no nosso viver, nunca nos abandonando pelos diversos caminhos trilhados.

Bourdain

[caption id="attachment_684" align="alignnone" width="1200"]anthony-bourdain Crédito: Desconhecido. Solicito informação.[/caption]

Como todo o mundo, fui apanhado de surpresa pelo falecimento de Bourdain. Soube através de um tweet da CNN, e imediatamente me invadiu um sentimento de vazio, nunca preenchido pelo constante fluxo de informação que se seguiu. Sendo fã dos seus livros, da sua personalidade, duas coisas me encantavam especialmente. Em primeiro lugar, a postura de enfant terrible num mundo tão artificial quanto o da alta cozinha, onde impera a ditadura da imagem e o vazio da essência. Bourdain dava a esse mundo um colorido tão característico da sua personalidade sempre desperta, tão inquietante como inquieta, tão irreverente como criativa, um predicado apenas reservado aos génios, uma genialidade apenas reservada aos espíritos livres, que sentem e refletem o mundo que observa, os caminhos que passam, os céus que os acompanham.

Mas a principal qualidade que apreciava em Bourdain era a sua visão global do mundo, baseada nos seus aromas, nos seus sabores, e na forma como os explanava nas suas viagens. Bourdain era o protótipo do viajante de que tanto falo, viajando pelo mundo tão livre quanto o horizonte do seu sentir. Apesar da sua fama, com todos falava, com todos comia, sempre com a sua natural curiosidade, fosse no fino restaurante ou na roulotte de rua. E depois de tudo, de respirar e de usufruir de cada viagem e de cada ambiente, era imensa a forma como, qualquer viajante, sabia voltar...as suas entrevistas, as suas aparições públicas, eram acontecimentos para serem ouvidos e sentidos. Bourdain contava as suas experiências, o que sentia com elas e as lições que delas tirava, de uma forma tão profunda quanto simples. Sabia voltar, transmitindo algo, dando a conhecer um pouco mais do mundo que na visão dele era unido na extraordinária diversidade dos seus sabores, das suas cores, das suas sensações. Deixava-nos a todos um pouco mais ricos, na partilha da sua experiência, para depois voltar a partir.

Enquanto toda a informação do seu falecimento ia desfilando, dei por mim a pensar que Bourdain iria adorar conhecer o restaurante nordestino que me indicaram perto do local onde me encontrava, em S. Paulo, e que à boa cozinha tradicional adicionava a cultura nordestina e a simpatia dos seus empregados . E com toda a certeza, a simpatia dos convites que tive para experimentar pratos típicos de cozinha brasileira em casa de colegas, não lhe passaria despercebida. Embora apenas tenha tido contacto com o seu trabalho nos últimos anos, não consigo deixar partir um sentimento de perda por alguém que tinha essa forma tão simples e global de sentir o mundo, com a qual me identifico...simplesmente desfrutar, caminhar, conhecer, seja na chuva de Londres, nos pequenos povoados dos Pirinéus, ou no sol de S. Paulo, e que me despertava uma certa figura de mentor. Se alguma lição Bourdain nos deixa é a de que, num mundo que vai ficando cada vez mais tenso nas suas dinâmicas geopolíticas, não devemos esquecer o que nos une enquanto humanidade, uma simplicidade construída por milhares de anos, revelada numa diversidade que a todos nos define. Esse é o nosso caminho. O único caminho. Trilhar esse percurso pode ser algo tão simples quanto apreciar o que nos rodeia de uma forma diferente, como nosso, independentemente da parte do mundo onde estejamos.

Descansa em paz, Anthony Bourdain. Obrigado pelo mundo que nos revelaste com as tuas viagens.

Regresso

[caption id="attachment_688" align="alignnone" width="1080"]34691012_2016658405250180_458745435410923520_o Crédito: Paulo Heleno[/caption]

Já com as malas em preparação para o retorno a Portugal, é altura de fazer um balanço. Nunca o viajante encara tristeza o voltar, mas também nunca parte sem fechar um pouco os olhos e sentir não apenas o que viveu, mas o que cresceu, e o que leva de novo para o seu ponto de partida.

Agradeço a forma como fui tratado no Brasil. Desde o diretor de empresa, até ao rapaz que tratava da minha roupa (um de muitos empregos que tem para ganhar a vida), todos me trataram de forma muito amável...não acho que, como algumas pessoas dizem, o povo brasileiro nos recebe com desconfiança...talvez assim o faça para quem para eles olha, e para a sua peculiar, e muito liberta forma de viver; um pouco por cima. Eu apenas recebi simpatia, excelentes experiências de diálogo sobre muitas temáticas mais ou menos profundas e, mais uma vez, tudo o que de fantástico a fantástica cidade tem para oferecer. Fiquei fã. Hei-de voltar.

Seja do ponto de vista profissional, seja do ponto de vista pessoal, estes (em conjunto) quase 5 meses foram marcantes. Em ambas as vertentes, ideias surgiram, decisões foram tomadas, novos caminhos foram definidos. Nas duas vertentes, o tempo ditará a forma delas se expressarem na minha vida, de uma forma natural, como quando surgiram na minha alma e na minha mente. De nada vale ficarmos sentados a pensar, deixando horas a fio passarem no silêncio de um tempo que, preso num espaço de uma divisão, se arrasta na vida...mais vale abrirmos os braços à experiência de viver, e sentir o vento passar por nós ao ritmo da liberdade do sentir...

Num mundo de pressas, confesso que desta vez sinto alguma ansiedade para o retorno, que já se vem manifestando há uma semana e pouco. Na bruma da minha vida profissional, já desponta Inglaterra, para onde me dirigirei um par de dias, dentro de aproximadamente uma semana/ uma semana e meia. Mas para já, é aproveitar o meu espaço, aquele espaço que faz de todos nós viajantes.